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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Nada além do Corão

Nada além do Corão

Eric Beauchemin

05-01-2009

Na Nigéria, uma de cada cinco crianças é enviada a uma Escola do Corão Lá elas passam ao menos quatro anos memorizando o livro sagrado do Islã. Os estudantes são, em muitos casos, abandonados pelos pais e obrigados a pedir esmolas nas ruas para sobreviverem. O governo local tenta melhorar a vida dessas crianças e ensiná-las matérias como inglês e matemática, garantindo habilidades para terem uma profissão no futuro, mas precisa vencer as barreiras junto aos líderes dessas escolas.

"Muitas dessas crianças são filhos de camponeses e empregados domésticos," diz Salamatu Jibril, diretor de uma instituição de caridade local que realizou uma pesquisa recente nas Escolas do Corão.

"Os pais são tão pobres que não podem pagar uma educação moderna. Muitos deles têm até vinte filhos. Quando conseguem mandar um deles para uma escola do Corão, que é gratuita, é um alívio para eles"

Rotina diária
Os pupilos da Escola do Corão começam o dia com as preces matinais entre as cinco e seis horas. Depois, vão recitando e memorizando o Corão até as dez da manhã. Ficam livres até a prece da tarde, às 17 horas, e começam recitar novamente o Corão, seguidas de mais preces e recitações até tarde da noite.

Escola em Kaduna
A reportagem da Radio Nederland visitou uma das escolas nos arredores de Kaduna, no norte da Nigéria. Havia dezenas de meninos, em pé ou sentados no pátio. Alguns pareciam ter apenas cinco anos. Tinham pequenas lousas nas mãos com um verso do Corão. Muitos deles balançavam o corpo para frente e para trás ao tentarem memorizar os versos sagrados. O Corão tem mais de seis mil versos, e as crianças precisam passar várias horas todos dias, por muitos anos, para memorizar todos eles.

Mendigando
Durante o intervalo entre as dez da manhã e as cinco da tarde algumas das crianças e rapazes saem para aprender alguma profissão ou fazer negócios, mas muitos vão mendigar. Na parte norte do país, de maioria muçulmana, é muito comum ver crianças nos cruzamentos com uma vasilha plástica e uma colher, pedindo comida, ou dinheiro aos motoristas e transeuntes.

Freqüentemente, os jovens das Escolas do Corão são forçados a darem as esmolas que conseguiram aos meninos mais velhos ou ao professor. A falta de comida não é o único problema enfrentado por estas crianças, diz Salamatu Jibril. "A maioria dorme sem cobertas e, quando esfria, muitos ficam doentes."

Preocupação crescente
As autoridades nigerianas estão cada vez mais preocupadas com estas escolas. Tem havido denúncias que as crianças são sujeitas a abusos, até mesmo sexual. O governo também está preocupado que crianças e adolescentes estão saindo das Escolas do Corão sem saber ler e escrever em inglês, a língua nacional da Nigéria. Nem aprendem matemática, ciências ou outras matérias.

Integração
Em 2001, a Nigéria introduziu a educação básica obrigatória. O governo está agora tentando integrar educação secular nas escolas religiosas. Mas não tem sido fácil, segundo Doreen Enadi Dodi do Conselho Estadual de Educação Primária de Kaduna.

"No princípio pensamos em emprestar alguns dos nossos professores para darem aulas nas Escolas do Corão. Mas encontramos certa resistência dos líderes locais, que pensam que o governo está tentando tomar o controle sobre suas escolas"

Um malaam, ou professor na escola do Corão, diz ser improvável que crianças que têm de acordar antes do sol nascer e estudar até tarde na noite sejam capazes de assimilar alguma coisa nas aulas adicionais.

Organizações não-governamentais também perceberam a relutância por parte dos malaams e crianças na introdução da educação ocidental. A coordenadora de outra instituição de caridade de Kaduna descreve um desses contra-tempos: "Na cidade de Zaria, demos carteiras, uniformes, livros didáticos e de exercícios para uma escola do Corão e seus alunos. As crianças literalmente fugiram. Das 250 crianças na escola, só permaneceram 50."

Especialista dizem que as Escolas do Corão precisam passar por reformas. No entanto é improvável que o governo nigeriano consiga fazer essas mudanças e garantir educação para básica para todos até 2015, conforme determinação das Metas do Milênio, da ONU.

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